Janusz Korczak e o respeito à criança
Dentre os vários assuntos que tenho escrito, acho que nenhum é mais pontual do que o respeito. Desde o momento em que me descobri grávida, li dezenas de livros, assisti centenas de vídeos e me familiarizei com personalidades renomadas no campo da Pedagogia e Psicologia, mas nenhuma figura me inspirou e causou maior impacto em minha vida do que Janusz Korczak. Os seus ensinamentos em conjunto com sua trajetória norteiam a relação que pretendo desenvolver com meus filhos e é esse ideal de convivência humana que gostaria de compartilhar com vocês neste artigo.
Minha história com Janusz começou por acaso. Um dia em uma biblioteca vi o título de um livro: “Rei Mati, o primeiro”. Achei interessante já que era o nome do meu filho e levei o livro para casa. Tínhamos acabado de chegar na Polônia e o meu filho estava na primeira série. O livro contava a história de um príncipe que havia se tornado rei aos 6 anos, e portanto, precisava aprender a ler e escrever o mais rápido possível. Fiquei impressionada com a coincidência com a nossa fase de vida. Virei e li a contracapa do livro, descobrindo o autor e sua história, e assim teve início o meu fascínio por Korczak.
Janusz Korczak não era seu nome verdadeiro. Ele nasceu em Varsóvia em 1878 como Henryk Goldszmit. Era de família judia agnóstica como milhares de judeus poloneses que se identificavam mais como cidadãos poloneses e não como uma categoria a parte. Mas essa é uma outra história. Seu pai faleceu quando ainda era criança. Começou a trabalhar como tutor ainda cedo para ajudar sua família. Se formou em medicina e começou a trabalhar como Pediatra. No desenvolver de sua profissão percebeu que muitas doenças eram causadas por aspectos emocionais e então começou a aprofundar seus estudos sobre o relacionamento entre adultos e crianças.
No início do século XX, foi um dos primeiros expoentes a condenar as punições físicas e a introduzir a ideia de que a criança deveria ser tratada com o mesmo respeito que se trata um adulto. Uma ideia totalmente revolucionária para a época! Ele comandava um programa de rádio dedicado a cuidadores e crianças no qual respondia perguntas feitas pelos ouvintes. Era um programa com grande audiência. Em uma ocasião uma criança perguntou: “o que faço quando o meu pai quiser me bater?” Korczak respondeu: “Fale para ele: – Pai você pode me bater, mas você pode, por favor, apenas esperar meia hora? Existe grande possibilidade de que seu pai irá mudar de ideia”.
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Grandes ensinamentos de Janusz Korczak
Dentre os inúmeros livros escritos por Korczak, entre ficção e pedagogia, gostaria de destacar dois: Como amar uma criança (1919) e O direito da criança ao respeito (1929). Ambos são considerados como sucesso literário e foram traduzidos para várias línguas, o que lhe proporcionou reconhecimento internacional. Entre as inúmeras ideias do livro, gostaria de ressaltar (tradução livre):
1. Permita á criança falar, comunicar-se abertamente sobre os seus sentimentos, mesmo que isso afronte seus próprios padrões morais. Você é para o seu filho como um sacerdote em momento de confissão. Ouça e acolha, e então, faça a criança avaliar sua conduta.
2. Para cada pergunta, não se apresse a responder. Ajude o seu filho a chegar à resposta sozinho. Faça mais perguntas. Lembre-se de que no futuro, nas grandes dúvidas e nos momentos de decisão, você não estará ao seu lado para responder por ele. Ele precisa aprender a pensar sozinho!
3. Não importa a situação: boa ou ruim, alegre ou triste, a cada momento, você e seu filho estarão no mesmo nível, o nível mais alto de amadurecimento de ambos, tanto você como adulto, quanto ele como criança.
4.Permita que erros aconteçam. Não superproteja o seu filho. Não o ajude em cada passo. Deixe-o tentar, sem julgamentos e sem projeções futuras.
5. Não espere que seu filho seja o que você deseja. Ajude-o a se tornar ele mesmo.
E minha favorita: Não exija da criança desprendimento e bondade. Deixe-o calmamente descobrir a beleza do verdadeiro altruísmo.
Fico inebriada em pensar nessa forma de encarar a infância a cem anos atrás. Se existe a expressão “um homem a frente do seu tempo”, esse era Janusz Korczak.

Arquivo pessoal.
A caminhada com as crianças até o trem durante a Segunda Guerra
Após a publicação desses livros, ele se torna o encarregado de um orfanato judaico e lá estabelece uma república infantil, onde são as crianças quem estabelecem as regras. Os sábados são reservados para debater os acontecimentos da semana. As punições sobre as desobediências são decididas por uma corte, formada pelas próprias crianças. Eles produzem um jornal e são incentivados a plantarem a própria comida e a praticar esportes. Korczak conta histórias para as crianças todas as noites. O sucesso de seu orfanato ganha reconhecimento e ele é encarregado de um segundo orfanato para crianças de operários poloneses pobres.
O ano é 1939 e a Polônia é invadida. Com a criação do Gueto de Varsóvia, o orfanato é transferido. Korczak se recusa a usar a identificação para judeus. Mesmo com inúmeras oportunidades para sair da Polônia em razão de seu reconhecimento internacional, ele se recusa, e afirma que jamais deixará suas crianças.
Em 1942 o orfanato é desativado e as crianças são deportadas para um campo de extermínio. A caminhada das crianças pelo Gueto até a estação de trem é um dos eventos mais marcantes do Gueto, retratado no livro “O pianista” de Władysław Szpilman e vários outros. A descrição do momento histórico segue na mesma linha: Korczak a frente, seguido por enfermeiras e as crianças, bem vestidas, com a cabeça erguida e um livro ou um brinquedo na mão. Korczak havia dito as crianças que elas iriam passear no campo, que finalmente iriam sair daqueles muros e que aquela situação precária estava prestes a acabar.
Alguns relatam que Korczak, ao chegar na estação, foi informado que tinha passe livre (weisspass) e que poderia se dirigir para onde desejasse. A lenda segue, com sua famosa suposta resposta: “Um pai jamais abandona um filho no momento em que ele mais precisa.”. Ele teria entrado no trem por livre vontade e ajudado cada criança a se acomodar, e então as crianças teriam começado a cantar. Tal foi o impacto desse momento que durante anos muitos afirmavam que o trem havia sido desviado e que as crianças e Korczak teriam sobrevivido. Infelizmente, a realidade foi outra, o trem se dirigiu ao seu caminho de destino, Treblinka, um dos maiores campos de extermínio da Segunda Guerra.

Arquivo pessoal
As atitudes valem mais do que as palavras
Por muito tempo encarei essa historia com dor e sofrimento. Hoje quando leio seu trabalho, vejo que a sua vida foi maior que seus escritos. A máxima: “as atitudes valem mais do que as palavras” não poderia ser mais verdadeira.
Korczak viveu suas palavras em situação extrema. Presenteou aquelas crianças com o verdadeiro amor incondicional, deu sua vida por elas,e no meu entendimento, por todas as crianças. Acredito que todos os pais e educadores que hoje leem sua obra, entendem que não estão lendo apenas mais um educador, mais um acadêmico experiente que confortavelmente desenvolveu teorias sobre a forma como devemos tratar nossas crianças.
Em um mundo onde tantos “ismos” se espalham, pensar e trabalhar o respeito dentro de casa é fundamental. Se queremos criar filhos que tratem o outro com respeito, devemos começar a respeitá-los primeiro. Enxergá-los como indivíduos em formação, com características próprias e não como reflexo de nós mesmos.
Ler Korczak para mim se tornou um ato de reverência, de humildade. Uma obrigação pessoal de aprimoramento constante e respeito incondicional as pessoas que me cercam, começando pelos meus próprios filhos.